Jhonatan da Silva teve aproveitamento de mais de 40% no certame
O detento Jhonatan Conceição da Silva, que cumpre pena no regime semi-aberto da Colônia Penal de Santa Izabel do Pará, foi a grande revelação do Torneio Aberto de Xadrez, promovido pela Associação de Xadrez da Cidade Velha, em parceria com a Federação Paraense, nos dias 7, 8 e 9 de julho, no Hotel Beira Rio, no Guamá, em Belém. Das seis partidas, cada uma com até quatro horas de duração, ele ganhou duas e empatou uma, atraindo a atenção dos demais competidores.
“Ele se revelou um grande atacante”, elogia o juiz da 7ª Vara Criminal, Flávio Leão, professor voluntário e um dos autores do projeto “Prática Desportiva do Jogo de Xadrez como Meio de Remição de Pena”, cujas aulas na colônia agrícola se iniciaram em maio deste ano e culminaram com a participação de três detentos classificados em torneio interno para disputar o certame internacional oficial em Belém, com a participação de mestres e grandes mestres, como o ex-campeão brasileiro e grande mestre maranhense, Rafael Galib Leitão, vencedor do Aberto de Belém, e o mestre uruguaio Luís Rodi, 2º lugar, que vieram a Belém disputar o certame e dar apoio à iniciativa de reinserção social de detentos. Os outros dois detentos que participaram do torneio foram Wellyngton Lima Xavier e Edson da Costa Macedo.
A remição estabelece um dia a menos de pena a cada 12 horas de curso e menos 12 horas de pena a cada competição.
O projeto tem o apoio das secretarias de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) e de Esportel e Lazer (Seel) e está inserido no Plano de Gestão do Desembargador Ricardo Ferreira Nunes, presidente do Tribunal de Justiça do Pará, para o biênio 2017-2019, no macrodesafio “Aprimoramento da Justiça Criminal”, na iniciativa estratégica de promoção de ações de ressocialização dos apenados.
PROFESSOR
Antes da disputa, Jhonatan disse que, após o curso na colônia penal agrícola, o xadrez passou a fazer parte de seus projetos futuros. “Já era um esporte que eu praticava lá fora e, com o certificado, estou credenciado a dar aulas, já é o início de uma profissão”, avalia ele, que reputa o curso como um marco.
“Chegamos ao fim do curso e com mais essa possibilidade de estar aqui, concorrer a prêmios, estar interagindo com as pessoas do meio da classe alta. Então, esse é um projeto que deu certo, estou super feliz, primeiro porque eu já era apaixonado pelo xadrez e agora vou ter ele como uma profissão na vida, eu vou estar credenciado a dar aulas e é só fazer mais especializações e curtir a minha liberdade de uma forma diferente”, diz ele.
Edson da Costa Macedo agradeceu aos professores a atenção e a oportunidade de aprender algo novo, e pediu apoio para que a iniciativa se mantenha. “Queria muito que o sistema penal desse mais atenção e apoio, tanto financeiro como de estrutura, porque o senhor pode ver que o professor largou tudo só pra fazer esse trabalho com a gente lá dentro e eu só tenho a agradecer pela oportunidade de ter aprendido e de estar aqui hoje, representando a nossa equipe lá da Colônia Penal”.
Wellyngton Lima Xavier disse que o xadrez abriu uma nova janela para a sua vida. “Mudei minha personalidade. Através do jogo de xadrez, eu pude ter um outro pensamento: assim como no jogo de xadrez sempre tem um caminho a mais pra seguir na nossa vida”, afirma.
MARCO
Professor de matemática na Colônia Penal Heleno Fragoso e um dos criadores do projeto, José Wilson diz que a culminância no torneio aberto de xadrez é uma utopia que se transforma em realidade. “Minha satisfação é mostrar pro Estado que há possibilidade de nós encaminharmos esses jovens, chamar atenção da sociedade e colocá-los como um marco histórico de um projeto que está acontecendo”.
O juiz Flávio Leão avaliou a experiência como um sucesso, sobretudo na colônia penal, onde a frequência ao curso oscilou entre 20 e 25 pessoas, das quais dez deles não faltaram a nenhuma aula e três foram classificados para jogar o torneio aberto de Belém.
Ele assinalou que o curso foi reconhecido pelo juiz da Vara de Execução Penal e vale como remição de pena; os presos obtiveram a saída temporária para jogar o torneio e o projeto é um exemplo claro do que significa reinserção social.
“O detento vem aqui, num hotel como esse, num ambiente como esse, em meio a médicos, advogados, engenheiros, estudantes, magistrados, jogar xadrez de igual para igual; eles foram inscritos no torneio, pagaram a anuidade e estão inscritos na Confederação Brasileira de Xadrez; os jogadores sabem que tem preso aqui, estão conscientes disso, vão jogar as partidas com eles e podem até perder pra esses detentos”, disse o juiz.
A expectativa dele é de que no segundo semestre e nos seguintes, se possa expandir o projeto piloto a outras cadeias, como o presídio feminino, ou prosseguir na própria colônia agrícola. “A gente vai reapresentar o projeto às secretarias (de Justiça e Direitos Humanos e de Esporte e Lazer)”, promete o juiz, ao informar que a iniciativa precisa de recursos para ser viabilizada.
PIONEIRISMO
Ex-campeão brasileiro e ganhador do torneio aberto de xadrez em Belém, Rafael Galib Leitão, Grande Mestre da modalidade, disse que no Maranhão ele coordena um projeto do governo do Estado de xadrez nas escolas e elogiou a iniciativa do Judiciário e do Sistema Penal paraense em levar o esporte também aos presídios.
“Acho que é um projeto espetacular, usando o xadrez para o benefício das pessoas. Assim que eu fiquei sabendo do projeto do doutor Flávio, me entusiasmei inclusive pra jogar o torneio, até mesmo para dar minha contribuição e divulgar um pouco essa iniciativa que, realmente, é sensacional e acho que é única, pioneira no Brasil.