Fontes de raro valor histórico, processos judiciais dos séculos XVIII, XIX e XX, que tramitaram nas Comarcas de Alenquer, Monte Alegre, Óbidos, Juruti e Oriximiná, e tratam, entre outros assuntos, de litígios envolvendo viúvas de portugueses mortos durante os conflitos da Cabanagem, serão digitalizados e disponibilizados à pesquisa acadêmica.
Como parte de um convênio de cooperação técnica firmado em 2013 entre o Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) e a Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), 459 caixas de processos antigos foram repassados pelo Serviço de Museu e Documentação Histórica do Judiciário paraense ao do Centro de Documentação Histórica do Baixo Amazonas, da Ufopa, na última sexta-feira, 25.
Na Universidade, os processos passarão por catalogação, higienização, digitalização, e, quando possível, restauração, com o intuito de serem disponibilizados à pesquisa acadêmica. Inicialmente, o Convênio de Cooperação nº 035, só abrangia a Comarca de Santarém e processos datados até o ano de 1970. Após um termo aditivo, assinado em 2019, passou a incluir ações datadas até o ano de 1988 e o envio de processos de outras Comarcas da região do Baixo Amazonas.
“Nós realizamos a separação dos documentos em cada Comarca. Na Comarca de Óbidos foi onde encontramos a maior quantidade de processos antigos, com 230 caixas que estavam guardadas no Cartório do 2º Ofício local e no nosso arquivo”, informou a chefe do Serviço de Museu e Documentação Histórica do TJPA, Leiliane Rabelo.
Os servidores encontraram documentos na Comarca de Óbidos que envolvem dois grandes nomes da literatura brasileira: José Veríssimo e Inglês de Souza, naturais de Óbidos. “Eles são muito importantes para a nossa história literária. Pelo levantamento no antigo cartório, existe o inventário, por exemplo, da família do José Veríssimo, além de outros documentos referentes a esses autores. Na Associação Cultural de Óbidos, tivemos a informação que eles estão entre os idealizadores da Academia Brasileira de Letras”, destacou Leiliane Rabelo.
Nos documentos já enviados em anos anteriores à Ufopa, há, por exemplo, processos de crimes e inventários de portugueses mortos durante a Revolta da Cabanagem. Nessa época, muitos cabanos mataram portugueses donos de terras, queimaram documentos e se apropriaram de seus bens. Por isso, muitas mulheres viúvas entraram na Justiça contra os cabanos para poder reaver as suas propriedades.
O coordenador do Centro de Documentação Histórica do Baixo Amazonas e professor de história da Ufopa, Gefferson Ramos Rodrigues, acompanhou os trabalhos nas Comarcas. “Basta lembrar que esse projeto foi reconhecido pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, como uma das principais práticas de preservação do patrimônio histórico do Estado. Ele foi inscrito no prêmio Rodrigo de Melo Franco de Andrade e foi o único em todo o Pará a ser classificado como um projeto de preservação do patrimônio material. Os demais projetos eram para a preservação do patrimônio imaterial”.
Mas, segundo ele, há uma relevância ainda maior pela constatação de que muitas prefeituras, câmaras municipais e cartórios simplesmente perderam os seus acervos antigos. “Seja por queima voluntária ou involuntária, enchentes e outros acidentes, a gente tem se deparado com esse tipo de situação. Então, para muitas cidades do Baixo Amazonas, quase que a única documentação segura que existe para tratar da história de muitas cidades é a documentação do Judiciário. Trata-se de um conjunto documental absolutamente único e será por meio dele que muitas histórias de muitas regiões e de pessoas daqui do Baixo Amazonas poderá ser contada”, ressaltou Gefferson Rodrigues.
Os processos ficam sob custódia do Centro de Documentação Histórica do Baixo Amazonas. A Ufopa possui 24 bolsistas e 6 professores trabalhando diretamente no projeto, sendo que um desses professores pertence ao Conselho Nacional de Pesquisa Científica da França.