A campanha Maio Laranja e as ações de prevenção ao abuso sexual contra crianças e adolescentes realizadas pela Coordenadoria Estadual da Infância e Juventude (Ceij), com destaque para a implantação de salas de depoimento especial, foram abordados em uma palestra online, ministrada pela pedagoga da equipe multidisciplinar da Ceij, Angélica Freire, como parte do I Congresso Brasileiro de Prevenção à Violência Sexual Infantojuvenil, ocorrido de 13 a 15 de maio em plataforma de comunicação virtual. A palestra pode ser assistida
aqui.
O congresso, alusivo ao maio laranja, mês do enfrentamento ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes, teve por objetivo discutir estratégias de prevenção a crimes sexuais cometidos contra crianças e adolescentes. O evento foi realizado pelas Organizações Futuro Brilhante e Direito sem Formalismo, com apoio do Programa de Pós-Graduação em Segurança Pública (PPGSP) da UFPA.
A palestrante explicou na ocasião a criação da campanha Maio Laranja, em razão de um crime de violência sexual infantil ocorrido na cidade de Vitória, no Espírito Santo em 18 de maio de 1973. A menina Araceli, de oito anos, foi raptada, estuprada e morta por jovens de classe média da cidade. Apesar de sua natureza hedionda, o crime até hoje está impune. Após diversas mobilizações de movimentos sociais ligados à defesa dos direitos infantojuvenis, o dia 18 de maio foi designado o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infantil. No Pará, a Lei Estadual nº 8618/2018, dedicou o Maio Laranja à realização de ações preventivas de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes.
O Maio Laranja está inserido no sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente, formado pela integração e articulação entre Estado, família e sociedade civil, a fim de assegurar o cumprimento da legislação. Cada um dos participantes do Sistema de Garantia de Direitos atua isoladamente, assim como pode se articular aos demais para que a atuação em rede aconteça.
Angélica Freire falou também da atuação e das atribuições da Ceij, instituída em 2010 como órgão permanente de assessoria da Presidência do Tribunal de Justiça, na elaboração de sugestões de aprimoramento da estrutura do Judiciário na área da infância e juventude, bem como no suporte a magistrados, servidores e às equipes multiprofissionais, visando à melhoria da prestação jurisdicional. A Ceij também promove a articulação interna e externa de órgãos governamentais e não governamentais da Justiça da Infância e da Juventude, além de colaborar para a formação inicial, continuada e especializada de magistrados e servidores na área da infância e juventude e fazer a gestão estadual dos Cadastros Nacionais da Infância e Juventude.
Depoimento Especial
A palestrante apresentou as normas que regem os procedimentos adotados em processos que envolvem violência sexual contra crianças e adolescente e outros casos: o depoimento especial e a escuta especializada da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência (Recomendação no. 33/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a lei Federal no.13.431/2-17, decreto Federal no.9.603/2018 e a resolução 200, de 2019 do CNJ).
Depoimento especial é a oitiva da criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária para a produção de provas, e deve ser feito em uma sala separada, de forma especializada, por um profissional capacitado em técnicas de entrevista investigativa. A criança deve ser avisada sobre a tomada do depoimento, assim como dos seus direitos e procedimentos a serem adotados, sendo proibida a leitura de outras peças processuais. É garantida à criança a livre narrativa sobre a situação de violência, e o entrevistador pode intervir, utilizando técnicas que ajudem na elucidação dos fatos quando necessário. O depoimento é transmitido em tempo real para a sala de audiência, preservado o sigilo. Ao final do procedimento, o juiz avalia a pertinência de perguntas complementares. O depoimento deve ser gravado em áudio e vídeo e as perguntas feitas à criança podem ser adaptadas à sua linguagem para que sejam melhor compreendidas.
A escuta especializada é o procedimento de entrevista de criança vítima ou testemunha sobre a situação de violência perante órgão da rede de proteção. Neste caso, o relato é limitado estritamente ao necessário para cumprimento de sua finalidade. Ambos procedimentos devem ser feitos em local apropriado e acolhedor, com infraestrutura e espaço apropriados, para resguardar a privacidade da criança ou adolescente e evitar revitimizá-la.
Salas de depoimento especial no TJPA
Em 2018, foi instituída uma comissão intersetorial para elaborar e efetivar um plano de implantação progressiva de salas de depoimento especial no âmbito do Judiciário paraense, por meio da portaria no.2461/2018- GP. Presidida pelo coordenador da Ceij, desembargador José Maria Teixeira do Rosário, a comissão definiu normas para implantação das salas de depoimento especial no estado, regulamentou critérios de padrão arquitetônico, classificou as comarcas por número de demandas de abuso infantil e fez um levantamento da necessidade de salas de depoimento por comarca. Com isso, foram elaborados dois planos de implantação das salas no estado desde 2018.
O padrão de funcionamento das salas de depoimento especial, idealizado para incentivar o protagonismo da criança na hora de prestar o depoimento e lembrar dos fatos, foi regulamentado pelo provimento conjunto no.1/2019 – GP/ CJRMB/Ceij. A Ceij também disponibilizou uma pesquisa sobre o funcionamento das salas de depoimento em todo o Pará. Magistrados e servidores podem responder à
pesquisa no portal do TJPA.
Capacitação de profissionais
Os profissionais que atuam como entrevistadores na coleta do depoimento especial devem ser capacitados obrigatoriamente por um programa de formação e devem ser constantemente aperfeiçoados.
No TJPA, o curso de formação de entrevistadores oferece 60 horas-aula, e os participantes têm noções sobre desenvolvimento infantojuvenil, psicologia do testemunho, estudos sobre memória, conhecem diferentes tipos de entrevistas investigativas e protocolos internacionais e nacionais, a Lei 13.431/2017, que rege depoimento especial e escuta especializada. A fim de propiciar um maior contato com a realidade da prática dodepoimento especial no TJPA, é feita uma simulação de entrevista entre os participantes e prática de casos reais.
Desde 2011, a Ceij oferece cursos de formação para atuação em salas de depoimento Especial, e já capacitou 50 servidores como entrevistadores até 2019, por meio de uma parceria com a Escola Judicial do Estado do Pará (EJPA), e a coordenadoria de Desenvolvimento de Pessoal do TJPA .