TJPA já desenvolve sistema similar ao proposto pela lei
Foi estabelecido o prazo de 180 dias para aplicação da lei que cria o juiz das garantias, tempo necessário para a transição ao novo modelo. A decisão do presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, amplia até 29 de fevereiro o período que o Grupo de Trabalho (GT) do CNJ, responsável pelo estudo dos efeitos da aplicação da Lei nº. 13.964/2019 nos órgãos do Judiciário, terá para apresentar relatório com proposta de regulamentação.
A decisão liminar responde a três ações diretas de inconstitucionalidade apresentadas contra a Lei n. 13.964/19, que estabeleceu novos prazos para adequação à lei. Toffoli destacou que a criação do juiz das garantias reforça o modelo de processo penal preconizado pela Constituição de 1988. “A Constituição preconiza um sistema acusatório, caracterizado pela nítida divisão entre as funções de investigar e acusar, e a função de julgar, e no qual a salvaguarda dos direitos fundamentais do acusado tem centralidade”, afirmou.
Iniciativa do TJPA - Desde 2008, o Judiciário do Pará conta com uma Vara para efetuar o controle e o exercício da atividade jurisdicional requeridos nos inquéritos policiais, demais peças informativas e outras providências. A existência desse instituto no Judiciário paraense foi ressaltada na sessão do Pleno do TJPA desta quarta-feira, 15, pelo decano da Corte, desembargador Milton Nobre. O magistrado destacou que a Vara funciona em moldes similares, nos conceitos e objetivos, ao que agora foi estabelecido pela Lei nº. 13.964/19, sancionada em 24 de dezembro de 2019, criando a figura do “Juiz das Garantias”.
O desembargador Milton Nobre, membro do CNJ no biênio 2009-2011, afirmou que a inciativa do Poder Judiciário paraense, posta em prática ainda na gestão da desembargadora Albanira Bemerguy, que sucedeu o decano na Presidência do Tribunal, posiciona o Pará entre os pioneiros na aplicação desse instituto jurisdicional no país. Sua estruturação também recebeu a contribuição da experiência de professor de direito penal do desembargador Rômulo Nunes, quando presidente do TJPA, no biênio 2009-2011, ainda ampliando a jurisdição com a instituição, também, do desembargador para as mesmas funções no Segundo Grau de Jurisdição.
A 1ª Vara Penal de Inquéritos Policiais, criada pela Resolução do TJPA nº. 16/2008 – GP, funciona em Belém e foi instalada em razão da necessidade de se adotar, na jurisdição da Capital, com exceção das Varas Distritais de Mosqueiro e Icoaraci e Varas Especializadas de Violência Doméstica contra a Mulher, ações que possam promover maior celeridade e eficiência na tramitação regular de inquéritos policiais, peças informativas e demais procedimentos investigatórios criminais, com imediata apreciação, na fase pré-processual, de medidas consideradas urgentes, como abertura de vista ao Ministério Público; decisões acerca do arquivamento de inquérito policial, pedido de diligências e prisão em flagrante ou relaxamento.
O ministro Dias Tofolli destacou que a implementação do juiz de garantias demanda organização, respeitando-se a autonomia e as especificidades de cada tribunal. “Os tribunais, a partir das diretrizes de política judiciária que vierem a ser fixadas pelo CNJ e sob sua supervisão, deverão se ajustar à nova sistemática legal”, destacou. O GT terá até o dia 20 de janeiro para sistematizar mais de 100 sugestões colhidas na consulta pública sobre o tema. Com a formulação do estudo, a minuta de ato normativo deverá ser avaliada pelo Plenário do CNJ no decorrer do mês de março.
De acordo com a lei, em seu artigo 3º-B, o juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário. Entre outras competências, cabe ao juiz receber o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade da prisão; zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo; e assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento.
Somente depois de oferecida a denúncia ou a queixa-crime, que os autos são distribuídos diretamente à Vara Penal competente para o seu processamento. Nos dias em que não há expediente da Vara, os feitos são processados pelo Juiz Criminal do plantão.
Alcance da decisão
A decisão suspende a eficácia dos artigos 3º-D, parágrafo único, e 157, § 5º, do Código de Processo Penal, incluídos pela Lei nº 13.964/19. No entendimento do ministro, o primeiro caso viola o poder de auto-organização dos tribunais e o segundo trata de norma de competência que não fornece critérios claros e objetivos para sua aplicação, violando a segurança jurídica e o princípio da legalidade.
A liminar determina que as normas relativas ao juiz das garantias não se aplicam a processos de competência originária dos tribunais, que são regidos pela Lei nº. 8.038/1990; processos de competência do Tribunal do Júri; casos de violência doméstica e familiar; e processos criminais de competência da Justiça Eleitoral.
Dias Toffoli ressaltou que o STF deve determinar os termos em que deverá incidir a Lei nº. 13.964/19 no que tange aos processos e às investigações que estiverem em curso quando do esgotamento do prazo de 180 dias, como forma de se resguardar o princípio do juiz natural. “Nesse sentido, entendo que a incidência da nova lei processual é prospectiva, e não retroativa, não se aplicando, portanto, a atos já praticados”, declarou.
Ele também traçou regras de transição que contemplam ações penais que já tiverem sido instauradas e investigações que estiverem em curso no momento da efetiva implementação do juiz das garantias pelos tribunais. De acordo com o ministro, nos dois casos, mantém-se o juiz que já estava oficiando no caso. “Tais soluções atendem, a um só tempo, as normas acerca da aplicação da lei processual no tempo e os princípios do juiz natural e da segurança jurídica”, concluiu.
O corregedor nacional de Justiça e coordenador do GT, ministro Humberto Martins, avaliou positivamente a decisão de Toffoli, de dar um novo prazo à comissão de estudos. “Com mais tempo para nos debruçarmos sobre a melhor forma de implementar a Lei 13.964/2019, melhor será o planejamento. A efetivação da norma não é algo trivial e o ministro Toffoli acerta ao priorizar a qualidade do estudo, em detrimento do tempo”, disse Humberto Martins.