Cooperativa é acusada de fraude para se habilitar ao contrato para mineração de ouro firmado em 2007 com a Colossus
Sob intervenção decretada pela Justiça e objeto de investigação do Ministério Público do Estado, a Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp) tem pela frente novos e sérios obstáculos a superar. Afastada por decisão judicial e denunciada pelo MPE por supostos desvios que podem superar a casa de R$ 50 milhões, a diretoria da entidade se vê agora confrontada com mais uma acusação, e esta igualmente grave.
Em ação que tramita no Fórum de Belém, a Coomigasp é acusada de haver montado uma operação fraudulenta, com a prática de ilegalidades em série, para se habilitar – porque seria este o objetivo final de seus dirigentes – à assinatura do contrato para mineração de ouro, firmado em julho de 2007 com a empresa Colossus Geologia e Participações Ltda, empresa de origem canadense. Na ação, os patrocinadores pedem a suspensão do uso do CNPJ pela Coomigasp e o cancelamento do contrato para exploração de ouro no antigo garimpo de Serra Pelada.
A ação foi ajuizada pela Cooperativa Mista dos Garimpeiros de Serra Pelada (Comgasp), com a consultoria jurídica de dois advogados, Walmir Hugo Pontes dos Santos Júnior e Rodrigo Pinheiro Schmidt. Na petição apresentada à Justiça, os advogados sustentam que a diretoria da Coomigasp se utilizou de artifícios e fraudes para se apropriar do CNPJ que pertencia (e pertence, segundo eles) à Comgasp. Foi graças a esse embuste, conforme frisaram, que a cooperativa obteve o verniz de aparente legalidade que lhe permitiu firmar a sociedade com a mineradora canadense.
Para tratar pessoalmente do assunto, estiveram em Belém, durante a semana, dois dirigentes da Comgasp – o seu presidente, Luiz Emanuel da Mata Lima, residente de Marabá, e o diretor administrativo Miguel Ribeiro Cavalcanti. Os dois batem pesado na diretoria da Coomigasp (temporariamente afastada), mas miram em suas denúncias também o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e a direção do Departamento Nacional da Produção Mineral, órgão subordinado ao MME.
De acordo com Luiz da Mata, após ser repesado e a seguir refinado todo o ouro extraído no garimpo de Serra Pelada e adquirido pela Caixa Econômica Federal, entre os anos de 1980 e 1984, verificou-se um acréscimo, em favor dos garimpeiros, de 901 quilos e 60 gramas de ouro, volume cujo valor de mercado está hoje em torno de R$ 700 milhões.
O dinheiro correspondente ao excesso de ouro, conforme frisou Luiz da Mata, foi integralmente repassado pelo Banco Central para a Caixa Econômica, onde ele permanece depositado e seguro por lei para investimentos em obras sociais em benefício dos garimpeiros de Serra Pelada. Mas não é só isso. Aos garimpeiros, resta ainda, sob tutela do Banco Central, o dinheiro relativo a uma quantidade até hoje ignorada de paládio, prata e platina, metais associados ao ouro e na época extraídos também de Serra Pelada.
O presidente da Comgasp e o diretor administrativo Miguel Ribeiro Cavalcanti, perguntam, em tom questionador, que necessidade teriam o ministro Edison Lobão, o secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do MME, Cláudio Scliar, e a direção do DNPM de buscar negócios com uma empresa estrangeira para a exploração de Serra Pelada. “Porque foram eles que armaram tudo”, afirmaram os dirigentes da cooperativa.
O comportamento do pessoal de Brasília foi tanto mais estranho, conforme frisaram, quando se leva em conta que o próprio ministro foi buscar uma parceria fora do Pará e do Brasil sem dar uma oportunidade sequer às empresas nacionais, impedindo assim que elas pudessem se habilitar à participação no projeto por meio de “uma licitação limpa e transparente”.
Colossus afirma que contrato é legítimo
Declarou Luiz da Mata que, em 2004, o Ministério de Minas e Energia e o DNPM fizeram a primeira tentativa no sentido de explorar o antigo garimpo de Serra Pelada com a participação de capital externo. Na época, disse ele, a empresa escolhida foi a norte-americana Fenix. O negócio não foi adiante, porém, porque houve reações e protestos enérgicos dos garimpeiros encabeçados pela Comgasp. Por iniciativa do deputado Zequinha Marinho, chegou a ser realizada uma audiência pública na Câmara Federal, para discutir o assunto. “Felizmente, nós conseguimos tirar essa empresa do nosso caminho”, acrescentou.
O que houve na época, porém – mas isso só veio a se tornar claro algum tempo depois –, foi apenas um simples recuo, e não desistência. Tanto que, logo em seguida, o Ministério de Minas e Energia e o DNPM, com os mesmos atores à frente, iniciaram uma nova ofensiva. “Eles arquitetaram esse golpe com a Colossus e, em 2005, usurparam o CNPJ da Comgasp para a prática dessa transação fraudulenta”, observou Luiz da Mata, acentuando que a Coomigasp se constituiu ilegalmente nessa época com toda a sua diretoria originária do Estado do Maranhão, terra natal do ministro.
Para isso, foi publicada uma portaria de “readequação” dos garimpeiros da Comgasp para a Coomigasp, a fim de dar sustentação ao que os advogados classificam como “uma flagrante ilegalidade”. E por que a ilegalidade? Segundo Luiz da Mata, pela apropriação ilegal do CNPJ e pelo fato de que a Comgasp é a empresa de mineração sucessora legal e legítima da Coogar, a pioneira cooperativa dos garimpeiros de Serra Pelada.
Acrescentou que, quando houve a tal “readequação” – o que ele classifica como simples artifício fraudulento para dar vida à Coomigasp –, esta absorveu cerca de 30% dos garimpeiros que efetivamente pertenciam ao quadro de associados da Cooperativa Mista. “Hoje, eles (os garimpeiros) já reconhecem a fraude e estão voltando”, disse Luiz da Mata, acrescentando que a Comgasp se mantém de portas abertas, “regularizando a situação de todos os garimpeiros de Serra Pelada e defendendo os seus membros da grande fraude arquitetada contra a nossa entidade”.
Por meio de sua assessoria, a Colossus disse ignorar as denúncias contra a Coomigasp e reafirmou a legalidade do contrato para exploração de ouro. “A Colossus Mineração informa que até o momento não foi notificada pela Justiça sobre nenhuma ação que envolva o contrato de parceria”, disse a empresa, em nota transmitida ao DIÁRIO. E completou: “a Colossus Mineração esclarece que o contrato com a Coomigasp é legítimo, obedece à legislação brasileira e foi referendado pelo Ministério de Minas e Energia”.
A reportagem do DIÁRIO tentou contato também com o procurador de Justiça do MPE Nelson Medrado, mas sem sucesso.
Serra Pelada: 60 mil garimpeiros remanescentes em luta
Luiz da Mata e Miguel Cavalcanti estimam em cerca de 60 mil os remanescentes do antigo garimpo de Serra Pelada, dos quais em torno de 50 mil garimpeiros hoje integram o quadro de associados da Comgasp. Os restantes 10 mil permanecem ainda ligados à concorrente, hoje sob intervenção, mas, segundo eles, em fase de migração para a Cooperativa Mista.
Os líderes garimpeiros relataram que, em 1992, quando o então presidente Fernando Collor autorizou o fechamento do garimpo de Serra Pelada, determinando a incorporação da área ao patrimônio da estatal Companhia Vale do Rio Doce, houve a primeira grande mobilização dos trabalhadores. E não sem razão. Afinal, disseram eles, para ficar com a área, os garimpeiros pagaram à União Federal, em 1984, o valor equivalente na época a U$ 59 milhões .
Na luta pela recuperação da área – ou pelo “destombamento” de Serra Pelada –, eles fizeram incontáveis peregrinações ao Senado Federal. “Para nós, foi decisivo, na época, o apoio do senador Jader Barbalho, que, como relator do processo de destombamento, emitiu seu relatório apoiando a nossa causa”, disse Luiz da Mata. “Foi uma felicidade enorme para toda a família garimpeira de Serra Pelada, principalmente para os paraenses”, acrescentou.