A mineradora norueguesa Norsk Hydro – já conhecida por ter recebido isenção fiscal de R$ 7,5 bilhões do Governo do Pará – está envolvida também na expulsão de pequenos proprietários rurais em Barcarena, cidade onde possui três empresas (Alunorte, Albrás e a refinaria de alumina CAP), ligadas à cadeia produtiva do alumínio.
Desde 2010, 18 colonos pedem, na Vara Agrária de Castanhal, a retomada de posse de 222 hectares que foram incluídos indevidamente, em 2006, num processo de instalação da Alunorte, hoje de propriedade da Hydro, que assumiu espontaneamente, em 2014, a responsabilidade jurídica com substituição processual para responder no lugar da antiga proprietária da Alunorte.
As 18 famílias remanescentes de 129 da comunidade do Trevo da Peteca, foram excluídas de um nebuloso processo de cadastramento que envolveu a então Companhia de Desenvolvimento Industrial do Pará (CDI), a hoje Companhia de Desenvolvimento Econômico do Pará (Codec). Na época da instalação da Alunorte, o Governo do Pará, por meio do Decreto nº 1.703/2005, reservou áreas de terras para a CDI, que deveria revender as terras para a Alunorte por R$ 5,8 milhões. Pelo decreto, essa negociação seria garantida desde que “a CDI e o Instituto de Terras do Pará (Iterps) adotassem providências técnicas necessárias à identificação e levantamento das situações jurídicas dos colonos que habitavam o local”.
“Isso não ocorreu, já que o decreto foi desobedecido, ainda acontecendo situações absurdas que culminaram nessa venda fraudulenta e na retirada dos colonos do local”, diz o advogado Walmir dos Santos, que representa os trabalhadores rurais. “Os colonos nunca foram identificados e sequer sabiam queseriam expulsos”.
Para Walmir, o mais absurdo foi que a promessa de compra e venda foi firmada entre as partes na mesma data em que foi assinado o termo de cooperação técnica entre o Iterpa e a Companhia Industrial do Pará. No dia 2 de janeiro de 2006, ou seja, coincidentemente no mesmo dia em que a CDI firmou o Termo de Cooperação Técnica com o Iterpa para fazer o levantamento dos moradores da área, ela promove uma venda irrevogável do terreno para implantação da Alunorte.
Levantamento
Para o advogado, o levantamento já estava pronto em data anterior à assinatura da Promessa de Compra e Venda ou sequer chegou a ocorrer. “É impossível realizar trabalho de identificação, cadastramento e avaliação de eventuais direitos possessórios e dominiais em apenas um dia”, questiona Walmir.O líder comunitário José Raimundo Araújo, um dos colonos expulsos do Trevo da Peteca, reafirma que o processo foi viciado e que a pesquisa cadastral das famílias não ocorreu. “No dia em que o convênio para que a pesquisa fosse realizada, cai na conta da CDI, no Banco do Estado do Pará, a quantia de R$ 585 mil referentes aos 10% iniciais do valor da venda da área”, diz o advogado. “Como receber uma parcela antecipada, se havia uma lei que diz que só poderia ser fechada a venda depois que houvesse o cadastramento”.
18 famílias nada receberam
Outro problema identificado pelos colonos é que, no Instrumento Particular de Promessa de Compra e Venda e Compra Irrevogável e Irretratável de terreno - firmado entre a CDI e a controladora da Alunorte à época - consta que a primeira “promete vender à compradora área medindo 584 hectares, livre e desembaraçada de quaisquer ônus e encargos legais, convencionais, judiciais ou extrajudiciais, foro, pensão ou hipoteca, livre de ocupantes a qualquer título”.
Segundo ele, ao interpor a Ação de Interdito Proibitório com Pedido de Liminar contra Joana Fonseca e ‘outros’ do Trevo da Peteca, a controladora da Alunorte induziu o magistrado do caso a erro, conseguindo a concessão da liminar e retirando da área as pessoas identificadas envolvidas e as pessoas não identificadas. “Só que nesses ‘outros’ foram retirados indevidamente todos os colonos, que sequer sabiam da ação”, explica o advogado Walmir dos Santos. Na área moravam 129 famílias, sendo que 111 foram retiradas e indenizadas apenas das benfeitorias. Os outros 18 não receberam nada e foram expulsos.
Relação
Curiosamente, na documentação anexada pela própria empresa controladora da Alunorte, hoje representada no processo pela Norsk Hydro, há uma relação de ocupantes do local, que supostamente comprovava o pagamento realizado aos colonos que ocupavam o Trevo da Peteca e que deu fundamento a toda a Ação de Interdito Proibitório contra os pequenos proprietários. Esta lista somente comprova o pagamento da área, de em torno de 364 hectares e não os 584 hectares, como informados pela Alunorte. “Subtraindo os 364 hectares dos 584 hectares, chega-se a 220 hectares, que é o tamanho do terrenos dos 18 colonos expulsos. Uma coincidência incrível e que comprova que não fomos cadastrados em nenhuma pesquisa”, diz José Raimundo.
Relato
“Fomos expulsos sem dó nem piedade”O líder comunitário José Raimundo Araújo diz que o Trevo da Peteca, antes dos colonos serem expulsos do local, era composto por 4 comunidades, que viviam de pequenos roçados. “Fomos expulsos sem dó nem piedade. Nossas histórias no local nos foram arrancadas. Ficamos totalmente desorientados. Mas vamos lutar até o fim para ter de volta nossa terra”.
José Raimundo diz que em nenhum momento a comunidade foi informada de que havia um processo de compra dos lotes. “Quando vimos, um grupo de seguranças chegaram com autoridades do Estado e mandaram a gente arrumar nossas coisas e sair, porque a terra não pertencia mais a gente”.
O líder comunitário lembra do caso do senhor Laércio da Silva, 82 anos, que estava trabalhando no roçado quando chegaram os seguranças e disseram “para que ele largasse aquela arma” e se retirasse do local porque o terreno já não lhe pertencia. “Ele respondeu, então, que aquilo era arma na cidade e que ali era instrumento de trabalho”. Pela resposta, acabou preso juntamente com seus filhos e respondeu a processo. “Ele entrou em depressão até morrer”.
Processo
Hoje, as propriedades dos 18 colonos estão ocupadas com edificações da Alunorte. Entretanto, eles requerem a devolução das mesmas. Consultada no processo se havia possibilidade de conciliação, os advogados da Norsk Hydro informaram que não. O processo, depois de ficar engavetado por anos, retomou seucurso e está em fase de alegações finais.