Decisão alega que prisão foi ilegal e flagrante de tráfico foi forjado pela polícia.
Chegou a um desfecho o polêmico caso que resultou na prisão ilegal de Karllana Cordovil e João Paupério, donos do Oito Bar Bistrô, em Belém. Dez meses após a ocorrência, os desembargadores do Tribunal de Justiça do Pará decidiram extinguir a acusação de tráfico de drogas contra o casal. De acordo com a decisão, eles foram presos ilegalmente e o flagrante de venda de entorpecentes no local foi forjado por policiais civis. Trata-se da segunda decisão judicial que alega a irregularidade da ação policial. A manifestação dos desembargadores ocorreu depois de oMinistério Público do Estado solicitar a reabertura das investigações, após o juizFlávio Sanchez Leão trancar o processo diante da ilegalidade policial, em 29 junho de 2015. O MPPA informou ao G1, nesta terça-feira (12), que não irá recorrer novamente da decisão, e que, portanto, o caso foi encerrado.
A nova decisão que manteve o trancamento do caso foi anunciada na última quinta-feira (7), e assinada pela desembargadora Maria de Nazaré da Silva Gouveia dos Santos. No documento, a magistrada destaca que, apesar da extinção de um processo ser algo extraordinário, Sanchez acertou ao aplicá-la diante das circunstâncias que revelam a ilegalidade da ação policial.
“Após análise do que consta dos autos, entendo que agiu corretamente o magistrado, ao relaxar a prisão provisória e em seguida conceder, de ofício, o habeas corpus para trancamento da investigação criminal, posto que configurado o constrangimento ilegal a que eles estavam submetidos”, alega a magistrada.
Em nota, o MPPA nformou que o procurador de Justiça Cládio Bezerra de Melo que deu o parecer do Ministério Público no julgamento do TJE realizado dia 7 de abril, se manifestou pela manutenção da liberdade dos acusados e trancamento da ação penal.
Pelas redes sociais, Karllana Cordovil comemorou o encerramento das acusações. "O Ministério Público tinha pedido pra abrir o inquérito contra a gente, (...) e os desembargadores decidiram manter arquivado e consequentemente consideraram a ação policial criminosa e mais uma vez [nos considerou] inocentes. Obrigada a todos que estão nos apoiando. Existe muita luta e muito amor envolvido! Saudades de todos e viva o 8!", declarou.
Policiais não foram punidos
A decisão dos desembargadores não se manifesta, no entanto, sobre os policiais envolvidos no caso. A defesa do casal informou que entrou com representação junto à Corregedoria da Polícia Civil em julho de 2015. Procurada pelo G1, a Polícia Civil informou, em nota, que o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) instaurado na Corregedoria está em fase de finalização de relatório. A decisão dos integrantes da comissão será submetida à apreciação dos delegados. O PAD poderá resultar em sugestão de penas administrativos, que vão desde a repreensão, suspensão até a demissão. A polícia não divulgou a previsão para a conclusão do processo.
Após a prisão ilegal, que se estendeu do dia 25 a 29 de junho, o casal saiu de Belém e o bar ficou sob administração de amigos, que o mantiveram em funcionamento até outubro de 2015.
Em entrevista à TV Liberal, em julho de 2015, Karllana Cordovil contou que fez quatro denúncias de abuso policial na Corregedoria em menos de um ano porque teria recebido constantes cobranças de dinheiro por parte dos policiais para que o bar pudesse funcionar normalmente. Em junho de 2015, a situação ficou mais grave, pois o local foi invadido por três policiais civis e uma pessoa encapuzada que ainda não foi identificada. Ela e o marido João Paupério foram presos sob acusação de tráfico de drogas.
“Eles tiraram a minha segurança, me humilharam e humilharam o meu marido. Eu trouxe o meu esposo de outro país, falando que a minha cidade era maravilhosa e aí ele chega aqui para ser humilhado”, desabafou a comerciante.
Flagrante forjado
Na manhã do dia 25 de junho de 2015, policiais civis estiveram no Oito Bar, localizado na Travessa Piedade, bairro do Reduto, centro de Belém, sob alegação de averiguar informações recebidas pelo Disque Denúncia, de tráfico de drogas no local. O casal, no entanto, relatou que os policiais não informaram o motivo da abordagem e um dos agentes teria invadido o local pela janela.
No local, os policiais teriam encontrado em uma cômoda 44 petecas de cocaína, e R$ 1.205 em cédulas e R$ 35, 90 em moedas. O casal recebeu voz de prisão e foi conduzido à Seccional do Comércio.
Após o flagrante, Paupério foi levado para a Central de Triagem de São Brás. Karllana Cordovil foi encaminhada para o Centro de Recuperação Feminino. Um dia após o flagrante, a defesa do casal solicitou o relaxamento da prisão, apontando indícios de que o flagrante havia sido forjado.
Em 2013, quando o bar funcionava em outro endereço, os proprietários relataram sofrer perseguição da polícia. Em uma postagem feita nas redes sociais em outubro de 2013, o casal disse que um grupo de policiais entrou no bar para conduzir uma revista sem qualquer espécie de respaldo oficial, fazendo uma fiscalização sem foco aparente.
O casal relatou, na postagem, que chegou a acionar a corregedoria da polícia. Os suspeitos terminam a postagem se dizendo com medo de que a polícia forjasse um flagrante por consumo ou tráfico de drogas.
Amigos e clientes do bar se manifestaram a favor do casal assim que ocorreu o flagrante. A mobilização nas redes sociais foi intensa, e bandas locais prestaram solidariedade a Karllana e João, pedindo a liberdade do casal durante eventos culturais de Belém. A artista plástica Layse Almada também criou um cartaz que pedia a liberdade do casal. O caso da prisão ilegal ganhou repercussão nacional e internacional, já que João Paupério é de origem portuguesa.
Caso na Justiça
Quatro dias após a prisão do casal, no dia 29, o juiz Flávio Sanches, da Vara de Inquéritos e Medidas Cautelares, relaxou a prisão de Karllana e João. Na decisão o juiz determinou a expedição de alvará de soltura e que a polícia devolvesse a quantia de R$1.240, 90 apreendida com os proprietários do bar. Segundo a defesa de Karllana e João, o valor foi restituído.
Na decisão, o juiz destacou que os próprios policiais disseram que prenderam João Paupério assim que chegaram ao local, mesmo antes de iniciar a busca e antes de encontrar qualquer droga ilícita. “Atitude muito imprudente e que termina por se tornar suspeita, pois prenderam a pessoa antes de qualquer outra evidência da ocorrência do crime, o que poderia resultar em agravamento da situação dos policiais, caso não en-contrado nenhum entorpecente, pois além de terem violado o domicílio da pessoa sem mandado judicial estariam efetivando uma prisão completamente ilegal e arbitrária", alegou o juiz.
Sanchez destacou que a operação policial foi falha, o que a tornou inválida. "Não tendo sido observado este prudente procedimento, tornou-se ilegal a operação efetivada pelos policiais. Considerando-se ilegal a operação, as provas dela decorrentes, inclusive a prova decorrente da apreensão das drogas, se tornou Ilícita", afirmou Leão.
No dia 17 de julho, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) recorreu da decisão judicial que arquivou o inquérito policial instaurado para investigar suposto crime de tráfico de drogas. O recurso impetrado pelo promotor de Justiça Carlos Stilianidi pedia a continuidade à apuraração do fato. O promotor argumenta que a decisão do juiz Flávio Sanchez Leão, que determinou o arquivamento do inquérito, se embasou apenas no lado dos réus.
"Ele desconsiderou a necessidade do Estado prover a segurança pública, o que mostra uma verdadeira afronta aos princípios da legalidade e proporcionalidade vigentes no Estado Democrático de Direito", afirmou