Nos últimos doze meses, 275 denúncias foram apuradas por três promotorias
Aos 85 anos, um idoso era explorado financeiramente pelo filho, em Belém. Portador de Alzheimer, ele foi retirado da residência confortável onde morava e confinado em uma casa de madeira nos fundos do imóvel. Desnutrido, ficava em uma rede suja. Esse triste episódio da violência cometida contra os idosos é citado pelo promotor Waldir Macieira, titular da Promotoria de Defesa do Idoso e das Pessoas com Deficiência, do Ministério Público do Estado. “Era uma situação deplorável de higiene. Ele ficava horas sem atendimento”, completa.
A Polícia prendeu o filho. O acusado ficou 45 dias detido e, atualmente, está em liberdade provisória. “Esta Promotoria já o denunciou pelos crimes de lesões corporais, maus tratos, abandono de incapaz e exploração financeira do idoso, dispostos no Estatuto do Idoso e Código Penal. Se condenado, ele pode pegar até oito anos de reclusão”, explica. O flagrante foi feito com a ajuda dos policiais da Delegacia de Proteção ao Idoso (DPID), da Polícia Civil. Na terça-feira, 1º de outu bro, transcorre o Dia Nacional do Idoso.
“Nos últimos doze meses, tivemos, pelas três Promotorias de Defesa do Idoso, 275 casos de violência contra o idoso que foram encaminhados ao MPE”, informa Waldir Macieira. Na maioria dos casos, a violência contra os idosos é praticada por seus familiares. Algumas situações são resolvidas extrajudicialmente, após visita ao idoso, quando são feitos ajustes com familiares para um tratamento mais digno.
Waldir Macieira explica que, periodicamente, o setor social do MP faz visitas para verificar a situação do idoso. Na maioria dos casos, requisita-se abertura de procedimento investigatório na Delegacia Proteção ao Idoso ou em outras delegacias de bairro. Também em muitos casos foram realizadas audiências de ajuste de conduta no Juizado Especial Criminal do Idoso, em que, para muitos agressores, são aplicadas penas restritivas de direito, de prestação de serviços a comunidade, de se afastarem do convívio com a vítima idosa, inclusive retirada coercitiva da casa do idoso.
E, ainda, revogação de procurações e autorizações de representação do idoso junto a instituições financeiras e bancárias, evitando recebimento indevido dos proventos do idoso por esses agressores. Para as situações mais graves, é feita a denúncia e requerida a pena de reclusão. Ainda conforme o promotor, os casos mais comuns são as situações de negligência a necessidades alimentares, de saúde e higiene do idoso; exploração financeira, agressões físicas e psicológicas domésticas, praticadas, em 77% dos casos, por filhos e filhas do idoso, 8% por cônjuges, 6% por outros familiares e o restante por terceiros.
Sobre o perfil social e econômico dos idosos vítimas de violência, o promotor Waldir Macieira diz que 26% têm a única renda da família, estando filhos e netos dependentes desse salário ou da aposentadoria. “Isso já provoca um litígio sobre quem usufrui dessa renda. Nos demais, mesmo não sendo a principal renda, esta contribui para o sustento dos demais da família, e muitas vezes até de terceiros, que contraem empréstimos em nome do idoso através do manuseio indevido de seu cartão bancário”, explica.
Conforme Waldir Macieira, é grave a violência contra o idoso, no Pará. “É grave porque a violência contra o idoso não se resume somente à violência doméstica ou urbana por pessoas físicas, mas também a violência institucional, como a precariedade da saúde disponibilizada pelos municípios, onde inexistem muitos serviços ao idoso - medicamentos faltam - e a garantia de atendimento de urgência e emergência muitas vezes é negada ou postergada, agravando o estado de saúde do idoso. Além disso, o transporte público não é adaptado para pessoas com mobilidade reduzida, como os idosos, e muitos operadores do transporte não estão capacitados para um atendimento humanizado do usuário da terceira idade, que tem gratuidade no transporte público”.
Waldir Macieira diz que o MP instaura procedimentos extrajudiciais para atendimento individual de casos de idosos vítimas de maus tratos. “Temos o auxílio do grupo técnico de psicólogos e assistentes sociais do MPE/PA para visitas aos idosos em suas casas e reordenamento do atendimento da família e vizinhos para uma vida mais digna desses idosos, com termos de ajustamento de conduta. Temos ações judiciais criminais para punibilidade de agressores, seja na violência doméstica, seja na violência urbana, incluído operadores de transporte que desrespeitem os direitos do idoso, a maioria em trâmite no Juizado Criminal do Idoso, que funciona na Universidade Federal do Pará”, explica.
Além disso, afirma Macieira, o MP tem atualmente ações civis públicas intentadas contras empresas de transporte e a Autarquia de Mobilidade Urbana de Belém (Amub) - antiga CTBel e agora Semob -, requerendo acessibilidade e adequação às pessoas com deficiência e mobilidade reduzida, já com sentenças favoráveis de primeiro grau. “Também temos várias ações judiciais na área da saúde com liminares das Varas da Fazenda Pública da Capital, garantindo atendimento de urgência e emergência, leitos, medicamentos e produtos especiais a idosos”.
Cultura negativa só reconhece o que é novo, útil e belo, reclama juíza
“Vivemos dias de descaso para com o idoso - eis a maior violência - e isso decorre de uma cultura negativa arraigada de que só merece reconhecimento o que é novo, útil e belo”, afirma a juíza titular da 2ª Vara do Juizado Especial Cível e Criminal do Idoso, Sílvia Bentes de Souza Costa. Ela diz que o Tribunal de Justiça, objetivando permitir acesso com mais celeridade ao órgão judicial àquele cidadão maior de 60 anos, optou por instalar unidades em que o idoso teria exclusividade para atendimento, não acarretando a instalação das unidades judiciais em atribuição de competência exclusiva para apreciar e julgar demandas em que figure pessoa idosa no polo ativo da relação processual.
Assim, o acesso do idoso ao Judiciário não está restrito às duas unidades judiciais na capital. Ela esclarece ainda que as unidades judiciais, de acordo com a organização judiciária do Estado, são varas autô-nomas de juizados especiais e que, portanto, tem como competência apreciar e julgar feitos cíveis de menor complexidade, tendo como teto limite o valor de 40 salários mínimos. E, em matéria criminal, a competência está restrita às infrações de menor potencial ofensivo (infrações criminais a que se comine pena máxima até dois anos), em que figure como vítima pessoa idosa.
Encontram-se em tramitação perante a 2ª Vara do Juizado Especial Cível e Criminal do Idoso 191 termos circunstanciados de ocorrência criminais (TCOs), até 30 de agosto de 2013. “Em sua maioria, os TCOs versam sobre fato em que houve infração de cunho verbal. O desfecho do caso, quando não se trata de hipótese de violência doméstica (neste caso encaminhados para vara competente), há uma conciliação das partes, com pedidos de desculpas e compromisso de não mais sobrevir qualquer natureza de agressão. Quando a composição não é possível, em não sendo hipótese de arquivamento, o Ministério Público tem pleiteado aplicação imediata de pena restritiva de direito, geralmente de prestação de serviço à comunidade, acompanhada pela vara de execução de penas alternativas”, diz a juíza Sílvia Bentes.
Conforme a magistrada, os casos mais comuns em que são vítimas os idosos envolvem crimes contra a honra, em que se identifica como autor da infração familiares e vizinhos, motorista de ônibus e prestadores de serviço. Ressalvando que os casos de infrações graves não são encaminhados às varas de juizado do idoso, a juíza cita a situação vivida por um idoso que, nutrindo grande amor pelo neto, assumiu de fato sua criação e assistência. “E agora esse neto, com 38 anos de idade, não estuda e nem trabalha, na gíria popular um ‘nenem’, sendo dependente químico, agride o avô com palavras ofensivas e ameaças de abandono, causando abalo emocional e psíquico ao idoso”, conta.
A magistrada informa que os casos trazidos ao seu juizado envolvem em sua maioria idosos que apresentam nível de escolaridade fundamental, sendo aposentado, que auferem benefício de até dois salários mínimos e que possuem como único patrimônio o imóvel que residem. Ao fazer uma análise sobre a situação no Estado, a juíza diz: “Acredito que a situação no interior do Estado não difere muito da capital. Vivemos dias de descaso para com o idoso, eis a maior violência, e isso decorre de uma cultura negativa arraigada de que só merece reconhecimento o que é novo, útil e belo”.