Doméstica não sabia que era empregada da Alepa com direito a receber alto salário
“Se eu tivesse pegado este dinheiro todo que disseram, o senhor acha que eu estaria morando na casa que eu moro? Não tinha dado uma casa melhor para minha mãe? Não tinha um belo de um carrão como a dona Mylene tem? Se eu tivesse recebido, não teria pego dinheiro emprestado hoje para poder vir até aqui”. O desabafo é da doméstica Joana Pinheiro, que, sem seu consentimento, teve seu nome incluído na folha de pagamentos da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa). Ela foi uma das testemunhas ouvidas, ontem, no terceiro dia de oitivas do processo que apura o envolvimento de servidores nas fraudes ocorridas no Legislativo, entre 2003 e 2010.
A “dona Mylene” a que Joana se refere é Mylene Vânia Carneiro Rodrigues, servidora da Alepa, apontada pelo Ministério Público do Estado, junto com outras 13 pessoas, como uma das integrantes do esquema fraudulento que, especialmente durante a gestão do ex-deputado Domingo Juvenil (PMDB), à frente do Legislativo, foi responsável pelo desvio de mais de R$ 10 milhões em recursos públicos. Dentre outros crimes, os acusados estão respondendo por formação de quadrilha, Caixa 2, falsidade ideológica e duplicidade de folha de pagamento.
De acordo com a denúncia do MP, as fraudes ocorriam por meio de alterações ilegais no sistema da folha de pagamentos, inclusão de funcionários fantasmas, concessão irregular de empréstimos consignados, sonegação de impostos e adulteração do sistema de informática da Casa. Além de Mylene, são réus no processo: o marido dela, Fernando Augusto Carvalho Rodrigues, e também Daura Irene Xavier Hage, Semel Charone Palmeira, Edmilson de Souza Campos, José Robson do Nascimento (Robgol), Mônica Alexandra da Costa Pinto, Jorge Caddah, Adailton dos Santos Barbosa, Sérgio Duboc Moreira, Elenice da Silva Lima, Danielle Naya Xavier Hage Gonçalves, Maria Genuína Carvalho de Oliveira e Elzilene Maria Lima Araújo.
Ontem, durante depoimento na 11ª Vara Penal da Comarca de Belém, a doméstica, que cursou só até a terceira série primária, informou que só soube que seu nome figurava servidora da Alepa, com salário superior a R$ 4 mil, quando foi intimada a prestar depoimento pelo MP, em 2010. “Eu nem imaginava”, afirmou. Joana disse que por três anos e meio trabalhou como doméstica na casa da irmã de Mylene. E que durante este período, lhe foi oferecido pela própria Mylene que entregasse uma cópia dos seus documentos para poder receber cesta básica e brinquedos que seriam distribuídos pela Alepa no final do ano. Uma promessa que nunca foi cumprida. “Quando chegou em janeiro, nada da cesta. Cheguei a perguntar algumas vezes, mas depois, quer saber, achei melhor deixar para lá”, afirmou.
Ela conta que Mylene chegou a ligar três vezes para que ela não se esquecesse de levar a cópia dos documentos. Não apenas dela, mas também das duas filhas, da cunhada e da nora da filha. “Eu sempre tive cuidado com meus documentos porque minha mãe sempre disse que não podia dar eles assim para qualquer pessoa. Mas como era para irmã da minha patroa, eu confiei”, afirmou, indignada.