Para Sávio Brabo, do MPE, a legislação não avança no combate à corrupção
Por: O LiberalEm 24 DE JANEIRO, 2016 - 08H36 - BELÉM
Sávio Brabo, promotor. Foto: Cesar Perrari/ O Liberal
Entrou em vigor neste sábado, a Lei de Fomento e de Colaboração com Organizações da Sociedade Civil (Lei nº 13.019/2014), também chamada de novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). As novas regras que devem nortear o relacionamento entre poder público e Organizações da Sociedade Civil (OSCs), começaram a valer para União e os Estados, enquanto os municípios terão até janeiro de 2017 para se adequar à legislação. Elaborada e criada, principalmente, pela necessidade de mecanismos legais mais eficientes para proteger a sociedade de uma entidade mal utilizada para a prática de corrupção, diante da apuração de grandes desvios de recursos públicos através de Organizações Não Governamentais (ONGs), a lei teve sua entrada em vigor adiada algumas vezes e sofreu várias mudanças desde a sua publicação, em 1º de agosto de 2014. “Essa legislação começou muito bem e terminou mal. Resumidamente: eles mudaram para ficar tudo como está”, critica o promotor de Justiça Sávio Brabo, titular da Promotoria de Justiça de Tutela das Fundações e Entidades de Interesse Social.
As alterações ao texto original do MROSC foram promovidas pela Lei 13.204 e pela Medida Provisória (MP) 684/2015, que em sua tramitação na Câmara dos Deputados foi transformada no Projeto de Lei de Conversão (PLV) 21/2015. Para Sávio, essas mudanças acabaram com grandes avanços que a Lei nº 13.019 trazia e poderiam contribuir para o combate à corrupção no terceiro setor.
Antes de uma regulamentação nesse setor, a forma de seleção das entidades que receberiam recursos para realizar alguma ação de interesse público ficava a critério do gestor. Com a Lei nº 13.019/2014, passa a ser obrigatório o chamamento público. Porém, pelas alterações aprovadas nos últimos meses, as atividades voltadas ou vinculadas a serviços de educação, saúde e assistência social ficariam dispensadas dessa regra, assim como aquelas originadas de emendas parlamentares. “Ninguém iria receber recurso público por simples indicação. Agora, no momento, ela praticamente acaba com o chamamento público”, ressalta a promotor.
De 2007 a 2014, foram repassados R$ 2.571.689.294,39 em recursos públicos do Estado do Pará a 5.452 instituições privadas sem fins lucrativos. De acordo com Sávio, 90% desse valor vão para as mãos das organizações sociais que administram os hospitais do Estado. “A partir do momento que você excepciona as OS de saúde da lei, o que eu vou fazer? O grosso mesmo não vai ficar sob controle. Essas alterações possibilitaram com que o interesse corporativo permaneça. Ela não fornece mecanismos suficientes para que nós possamos combater a corrupção do terceiro setor, que é um fato”, enfatiza.
O mesmo, segundo Sávio, envolve a área de educação, para onde vai grande parte dos recursos que determinados municípios, como Belém, repassam às instituições privadas sem fins lucrativos. “Você vê que houve um afrouxamento dessa legislação”, avalia.
Além disso, pela Lei nº 13.019/2014, um dos requisitos para firmar parceria com o poder público era comprovar a capacidade para exercer aquele trabalho que a entidade se propôs a fazer. O PLV 21/15, em seu artigo 33, dispensa essa experiência prévia. A alteração, para Sábio Brabo, ofende ao princípio constitucional da eficiência, pois faculta ao administrador público escolher uma pessoa jurídica sem o mínimo de expertise para a consecução do serviço público, possibilitando a construção de verdadeiras entidades privadas “de fachada” para atuar na administração pública.
No entendimento do promotor, outro avanço que acabou sendo prejudicado com as alterações da Lei nº 13.019/2014 era o que exigia da entidade o mínimo de três anos para atuação isolada e cinco anos para atuação em rede para receber recursos públicos. “Agora, houve uma alteração dizendo que o requisito mínimo para a ONG receber verba pública para o município é de um ano apenas e, pasmem, em determinados casos, não vai ser preciso comprovar a experiência”.
Mesmo com as mudanças, foi mantida a previsão de uma prestação de contas simplificada, mas excluído o corte de R$ 600 mil, estabelecendo que este tema será objeto de regulamentação. Isso possibilita que cada ente da administração pública estabeleça as regras de prestação de contas de acordo com a sua realidade. “Se fosse um centavo, não interessa. Dinheiro público é dinheiro público. Esse dinheiro não é nosso, não é do presidente da ONG, é de todos nós. Então, para o governo, as contas serão abreviadas até o valor de 600 mil reais. Você acha que isso vai motivar ou combater a corrupção?”, questionou.
Diante dessas e outras mudanças promovidas na Lei nº 13.019/2014, Sávio Brabo chegou a apresentar ao promotor de Justiça Marcelo Henrique dos Santos, presidente da Associação Nacional dos Procuradores e Promotores de Justiça das Fundações e Entidades de Interesse Social, razões de veto às alterações feitas na Legislação de Fomento e de Colaboração com Organizações da Sociedade Civil, para que fossem encaminhadas à presidente da República, Dilma Rousseff.
Ele defende, ainda maiores mecanismos de controle interno, por parte da própria administração pública, na fiscalização dos recursos repassados às entidades privadas de interesse social. Uma das conquistas com a nova Legislação, que já estava prevista na Lei Anticorrupção e na Lei da Transparência, é divulgação, na internet, dos recursos públicos destinados às entidades. “A administração pública também deverá ter um controle desses valores repassador para essas entidade do terceiro setor. Eles vão ter que fazer um acompanhamento, dando acompanhamento para a sociedade civil e ao final dessa parceria, a própria população vai dizer se aprova ou não o serviço daquela ONG. Isso é uma vantagem, porque o que motiva a corrupção é sem dúvida a falta de transparência. Eles vão ter que criar órgãos fiscalizatórios, como por exemplo o Conselho de Política Pública. Porque, hoje, nós não temos uma política pública própria do terceiro setor”, declarou. “Ela (Lei nº 13.019/2014) poderia avançar mais, mas avançou muito menos. Enquanto isso, eu vou continuar correndo atrás de ONG”, concluiu.