Especialistas analisam estigmas do crime e da loucura
José Carlos foi abandonado duas vezes na vida: primeiro, ainda criança, pelos pais biológicos; em seguida, pela família adotiva, quando descobriu que ele sofria de um retardo mental. A partir daí cometeu pequenos furtos e foi para o Hospital Geral Penitenciário cumprir medida de segurança. Nesta segunda-feira, 22, José Carlos deu seu depoimento sobre a importância do apoio social para a desinternação, durante I Seminário de Políticas de Saúde para as Pessoas com Transtorno Mental em Conflito com a Lei, realizado no Fórum Cível de Belém.
José Carlos disse que, após sofrer muito com os surtos na prisão, conseguiu se recuperar e hoje mora sozinho em um kit net e conta com o apoio da rede de proteção do estado, uma vez que não tem contato com a sua família.
A história de José foi um dos vários relatos de experiência, apresentados no Seminário, que mostraram a importância de se efetivar a lei antimanicominal no Estado do Pará. Nesse sentido, o evento contou com a assinatura do termo de cooperação técnica entre TJPA, Ministério Público, Defensoria Pública, Sistema Penitenciário e Secretaria de Saúde do Estado para assegurar tratamento integral em meio aberto às pessoas com transtornos mentais que cometeram crimes.
O evento foi promovido pelo Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), por meio do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF) e da Vara de Execuções Penais (VEP), e pela Secretaria do Estado de Saúde Pública (Sespa).
Segundo o juiz Cláudio Rendeiro, coordenador do projeto “Começar de Novo”, “é preciso que se faça o tratamento das pessoas com transtorno mental fora do ambiente de cárcere, para isso tem que tratar a política de medida de segurança de acordo com a lei antimanicomial publicada em 2001”.
A psicóloga Fernanda Otoni de Barros, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, participou dos debates do Seminário e fez o relato da experiência exitosa do Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento Mental daquele Tribunal (Pai-PJ) e disse que a recuperação de pacientes com transtorno mental em meio aberto com o trabalho conjunto de toda a rede de atenção do estado tem resgatado a autonomia dos pacientes desinternados, e que o estado de Minas Gerais está efetivando a lei antimanicomial.
De acordo com os expositores dos painéis apresentados ao longo das discussões do Seminário, a pessoa com transtorno mental que comete um delito carrega dois estigmas: o da loucura e do crime, por isso é preciso “quebrar as grades” e redirecionar o tratamento que não vise somente a punição, mas o tratamento adequado de saúde, assistência social, habitação, trabalho, previdência, por meio da efetivação da lei.
Participaram da mesa de abertura dos trabalhos do seminário o juiz Cláudio Rendeiro, coordenador do Projeto Começar de Novo; a juíza Luiza Padoan, responsável pela Vara de Execuções Penais; o promotor de justiça dos direitos do idosos e pessoas com deficiência, Waldir Macieira; a diretora de assistência biopsiquicosocial da Susipe, Ivone Rocha; o coordenador de saúde da Susipe, Robson Rodrigues; a representante do Conselho Estadual de Saúde, Eunice Begot; o secretário de saúde de Ananindeua, Paulo Campos; e a representante do Movimento de Luta Antimanicomial, Ester Souza.