Encontro apresentou visões do direito e da neurobiologia
“Quem só Direito conhece, não conhece Direito”. Com essa frase, o juiz titular da 3ª Vara da Infância e juventude da Capital, Wanderley de Oliveira Silva, explicou a necessidade de uma abordagem multidisciplinar do tema “Redução da Maioridade Penal e seus registros processuais ao longo da história do Judiciário Paraense”, debatido em seminário realizado nesta quarta-feira, 26, no Fórum Cível da Capital. O seminário apresentou duas visões distintas sobre o tema: a do Direito, conduzida pelo magistrado, e a visão neurobiológica, abordada pelo professor Antonio Pereira Junior, pós-doutor pela Universidade de Duke (EUA) e professor do programa de pós-graduação da universidade Federal do Pará (UFPA).
Segundo o juiz Wanderley de Oliveira Silva, a negligência do Estado no cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tem contribuído para o agravamento do quadro de criminalidade e para a sua gravidade. O juiz observou a correlação entre problemas sociais e o aumento da prática criminosa, além do dever da responsabilidade estatutária (presente no ECA). Segundo o juiz, essa responsabilização deve ser fundamentada no paradigma da proteção integral à criança e ao adolescente, que envolve conteúdo psicopedagógico e restaurativo. O magistrado considerou a Educação como solução para a questão, “uma educação que deve ser libertadora, empoderadora e que construa o caráter do indivíduo, face à cultura de conflito, exclusão e encarceramento vivida no país”.
O professor Antonio Pereira Júnior ressaltou o desenvolvimento humano ao longo dos períodos de infância e adolescência. O conceito de adolescência, segundo ele, é aceito pela neurobiologia como período entre infância e vida adulta, em que ocorrem transformações no corpo e cérebro do indivíduo. Durante o crescimento do indivíduo, há um aumento nas conexões entre neurônios e outros fatores químicos que mudam seu comportamento, como nível socioeconômico, qualidade de vida do ambiente ao qual pertence e stress crônico. Todos esses fatores, segundo ele, podem afetar esse desenvolvimento do córtex e a tomada de decisão, inclusive o gosto pelo risco e descontrole emocional, característicos da adolescência e que podem influenciar a prática de delitos. O professor mencionou um projeto implantado na Califórnia (EUA), onde um tribunal aplica apenas medidas socioeducativas a menores de 24 anos, em virtude de seu desenvolvimento incompleto do córtex pré-frontal.
Para o professor, o argumento científico tem estado ausente e as paixões estão muito elevadas sobre o assunto. “O debate deve ser pautado pela ciência. Estamos falando do desenvolvimento do cérebro do adolescente. Se você coloca um adolescente numa prisão, com as características inóspitas das prisões brasileiras, essa fase vai acontecer nesse ambiente e certamente os circuitos cerebrais sofrerão essa influência, que é muito diferente de alguém que tem oportunidades socioeducativas. Também existe a falta de apoio ao familiar e do Estado e esse desamparo propicia a prática do delito”.
O encontro teve a participação de magistrados e servidores, e contou com a participação dos alunos do colégio Paes de Carvalho. Um deles, João da Silva Castro, do terceiro ano disse que a compreensão do assunto, sob esses dois pontos de vista, auxiliará em seus estudos.
O seminário fez parte da programação do projeto Arquivo Vivo, que tem o intuito de divulgar e garantir o acesso aos documentos do arquivo do TJPA para fins de pesquisa. Durante o encontro, foi aberta uma exposição de processos históricos relacionados a situações que envolveram adolescentes no início e no final do século XX. A exposição ficará em evidência até 20 de dezembro deste ano, no hall de entrada do Arquivo Geral, localizado na Avenida 16 de Novembro, nº 89. O horário de visitação da exposição é de 8h30 às 14h.
No início do encontro, os participantes assistiram à apresentação do stand-up cômico do personagem Epaminondas Gustavo, interpretado pelo juiz Cláudio Rendeiro, que deu uma “Aula de Direito Geral”.