Procuradoria reconhece acordo lesivo ao Pará
Em 20 ofícios encaminhados ao juiz da 13ª vara criminal de Belém, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) reconheceu que a penhora de 4% de faturamento da Cerpasa (pouco mais de R$ 1 milhão mensal) é irrisório para saldar o montante bilionário (cerca de R$ 1,4 bilhão) da dívida fiscal total da empresa. A pergunta que não quer calar: se o Estado mantinha esse entendimento desde o início, porque não recorreu da decisão judicial que remonta de setembro de 2014 – em pleno período eleitoral - para aumentar esse percentual de repasse?
Agora, cerca de 2 anos depois da penhora judicial acatada pela PGE e após ampla repercussão do escândalo tributário divulgado pelo DIÁRIO, a Justiça e a própria PGE se mexeram. Atendendo ao pedido do promotor Justiça de Crimes contra a Ordem Tributária do Ministério Público do Estado (MPE), Francisco de Assis Lauzid, a 3ª Câmara Criminal Isolada do Tribunal de Justiça do Estado mandou o juiz da 13ª vara criminal prosseguir com os 17 processos criminais contra a cervejaria que haviam sido suspensos, referentes a mais de 50 crimes fiscais que resultaram em prejuízo de R$ 370 milhões ao erário público.
Esse valor é apenas um terço do total do débito fiscal da cervejaria, hoje na ordem de R$ 1,4 bilhão, se transformando no maior caso de sonegação fiscal e de crime contra o erário público já denunciado pelo Ministério Público à Justiça paraense (ver box). O escândalo tributário vem sendo divulgado pelo DIÁRIO desde 20 de março passado. A desembargadora Maria de Nazaré Gouveia dos Santos concedeu a liminar acatando a tese do MP de que a suspensão das ações era um erro gravíssimo que precisava ser reformada imediatamente por causar prejuízo bilionário ao Estado.
HONORÁRIOS
Lauzid lembrou na ação que uma das autoridades do Estado envolvidas “está para ser julgada pelo STJ pelo suposto recebimento de propina acima de R$ 12 milhões de reais...” da cervejaria. O nome do governador Simão Jatene não foi citado pelo MP, mas quem responde a essa acusação de receber propina é governador do Estado. Ele é acusado de corrupção passiva, além de falsidade ideológica e corrupção ativa pelo caso Cerpasa I, que remonta a seu primeiro governo.
Após a liminar judicial e da reação negativa da opinião pública, a PGE solicitou da Secretaria da Fazenda (Sefa) nova auditoria na Cerpasa, para verificar se os crimes de sonegação fiscal continuam a ser praticados, a quantidade de débitos fiscais e o real faturamento da cervejaria. Há a desconfiança de que o faturamento declarado esteja aquém do real arrecadado. A Sefa ainda não concluiu esse levantamento. Enquanto isso, a dívida da Cerpasa com o governo aumenta.
Do valor recolhido mensalmente aos cofres do Estado, a PGE recebe 10%, a título de honorários advocatícios, para um fundo que depois é rateado entre todos os procuradores que atuam nessas ações. No caso da Cerpa, além do pagamento de pouco mais de R$ 1 milhão mensais, todo mês são repassados entre R$ 100 mil a R$ 150 mil à Procuradoria. Nesse ponto, surge outro questionamento: por que não houve recurso da decisão judicial para aumentar a penhora? Certamente esses honorários e os repasses ao Estado seriam bem maiores hoje. Entretanto, o recurso deixaria o caso subjúdice e os pagamentos ao Estado e à PGE só poderiam ser feitos após o trânsito em julgado do caso.
POR QUE A DÍVIDA É IMPAGÁVEL?
Para honrar sua dívida bilionária com o Estado, a Cerpasa repassa aos cofres públicos 4% do seu faturamento mensal, que hoje é pouco mais de R$ 1 milhão/mês (ou apenas 0,1% do débito bilionário principal), valor irrisório levando em conta o débito fiscal bilionário. Ocorre que a esse débito são acrescidos, todo mês, 2% (juros + correção monetária).
A conta é simples: 2% de R$ 370 milhões são R$ 7,4 milhões. Ou seja, a Cerpasa paga R$ 1 milhão por mês ao Estado, mas a dívida, em vez de diminuir, só aumenta cada vez mais, já que os juros são maiores do que a mensalidade paga. No acordo, não há sequer indicação de prazo para a dívida ser liquidada nem a quantidade de parcelas que a empresa teria de pagar. Seria como se um consumidor comprasse um carro a prazo no escuro, sem número certo de parcelas nem período para terminar de pagar. Dividindo-se o valor total da dívida da Cerpasa pelo valor mensal da penhora, o débito fiscal levaria incríveis 86 anos e 4 meses para ser pago. Ainda assim, essa conta só estaria correta se o débito fosse congelado, o que não é permitido.
PROCURADORIA GERAL DO ESTADO
O DIÁRIO encaminhou, por e-mail, à assessoria da Procuradoria, no fim da tarde de anteontem (20), os questionamentos abaixo, que até o fechamento desta edição não foram respondidos:
1) Em 20 ofícios encaminhados ao juiz da 13ª vara criminal de Belém, a PGE reconheceu que a penhora de 4% de faturamento da empresa Cerpasa é irrisória para saldar o montante bilionário da dívida da empresa e lesivo ao Estado. Já que sempre defendeu essa tese, por que a PGE não recorreu da decisão judicial que remonta do segundo semestre de 2014? Houve algum recurso à época? Se não houve, a PGE ainda pretende fazê-lo? Isso ainda é possível?
2) Quanto do valor penhorado da arrecadação da Cerpasa vai para os cofres do Estado e quanto vai para a PGE, a título de honorários advocatícios? Como funciona esse repasse para a PGE?
ENTENDA O CASO
O caso Cerpasa II ocorre 14 anos depois do escândaloCerpasa I, que rendeu 12,5 milhões pagos de propina pela cervejaria ao governador Simão Jatene (PSDB), durante sua primeira campanha para o Governo do Estado, em troca de perdão de dívidas e concessão de incentivos, segundo a ação proposta pelo MPF ao Superior Tribunal de Justiça.
Jatene foi denunciado pela procuradoria Geral da República (PGR) por crime de corrupção passiva contra a administração pública. O caso rendeu ao governador um processo no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que tramita na corte há 11 anos.
No caso Cerpasa II a sonegação ocorreu por meio de descontos e isenção no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e uso de crédito indevido - concedidos pelo Governo do Estado à Cerpasa -, entre 2008 e 2012.
Em setembro de 2014, em plena campanha de Jatene para o terceiro mandato, a cervejaria, afundada em débitos fiscais estratosféricos, conseguiu fechar um acordo de pai para filho com a Procuradoria Geral do Estado (PGE). O acordo foi denunciado pelo auditor fiscal e ex-presidente do Sindfisco no Pará, Charles Alcântara, em artigo publicado no DIÁRIO.
O prejuízo causado pela cervejaria alcança R$ 370 milhões decorrentes de 50 crimes fiscais, mas o débito fiscal total da Cerpasa com o Estado já chega hoje a R$ 1,4 bilhão.
Na Justiça, a PGE e a cervejaria firmaram um acordo de penhora de faturamento para saldar o débito bilionárioque lesa gravemente o Estado e foi feito de uma forma com que tornaria o débito impagável.
O juiz da 13ª vara criminal de Belém, de forma inédita, decidiu equiparar o acordo de penhora de faturamento para amortizar a dívida a um parcelamento do débito fiscal, suspendendo a ação penal por força de Lei, que foi contestado pelo Ministério Público.
Liminar judicial dada pela 3ª Câmara Criminal Isolada do Tribunal de Justiça do Estado mandou o juiz da 13º vara criminal prosseguir com os 17 processos criminais contra a cervejaria que haviam sido suspensos.
(Luiz Flávio/Diário do Pará)