TJ-PA julgará esquema que afetou 130 mil pessoas
Quem levará a bolada da Vivenda, que envolve um patrimônio superior a R$ 100 milhões? É isso que a cada dia fica mais difícil saber. Há 10 dias - em 31 de março -, em uma impressionante reviravolta, o juiz Jorge Ferraz de Oliveira Junior, da 5ª Vara da Justiça Federal do Pará (JF-PA) , declarou a incompetência da Justiça Federal (JF) para julgar o Caso Vivenda e determinou o envio do processo à Justiça Estadual.
Se esse entendimento vingar nos demais processos que tramitam na esfera federal, estará aberta a porta para que o advogado Almir dos Santos Soares volte a receber os “honorários de êxito” que reivindica, e que estariam em quase R$ 70 milhões, em valores atualizados pelo IPCA-E de dezembro passado. É que foram sentenças anteriores da JF-PA que suspenderam esses pagamentos. E o juiz que receber o caso, na esfera estadual, poderá revogá-las.
Almir, que durante mais de uma década foi o liquidante da Vivenda, é hoje o seu maior credor. A sentença do juiz Oliveira Junior é, porém, apenas mais uma reviravolta entre as muitas já ocorridas nesse caso nebuloso, que se arrasta há mais de 30 anos e envolve suspeitas de fraudes que podem chegar a R$ 52 milhões. A Vivenda – Associação de Poupança e Empréstimo, que chegou a ser a maior caderneta de poupança do Norte do Brasil, entrou em liquidação em 1985, e ainda hoje, por incrível que pareça, permanece em liquidação.
Um negócio da China para advogados e o Judiciário em geral, mas péssimo para os ex-poupadores: cerca de 130 mil cidadãos, na maioria gente pobre que colocou na Vivenda todas as suas economias. Até hoje, nunca mais viram a cor desse dinheiro. E, pelo andar da carruagem, tão cedo não verão.
HONORÁRIOS
É uma situação oposta a de Almir dos Santos Soares. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o advogado, na condição de liquidante da Vivenda, recebia R$ 6 mil líquidos mensais, a título de honorários – ou o equivalente, hoje, a mais de R$ 21 mil. Mesmo assim, ainda conseguiu receber R$ 22,5 milhões em “honorários de êxito”, de um total de quase R$ 70 milhões a que afirma ter direito. O MPF sustenta que esses honorários foram aprovados e inflados ilegalmente. Daí ter requisitado a abertura de inquérito, pela Polícia Federal.
Tudo começou em uma assembleia geral extraordinária, realizada em 03 de abril de 1996, que aprovou o pagamento de “honorários de êxito”, no valor de 5%, sobre os créditos recuperados para a Vivenda. Dois anos depois, outra assembleia, em 14 de dezembro de 1998, determinou que esses honorários fossem pagos em valores líquidos. Ocorre que, segundo o MPF, o edital de convocação da assembleia de 1996 não mencionou a deliberação sobre esses honorários. Além disso, ambas as reuniões não tiveram o quorum mínimo estatutário. E mais: há suspeitas, também, quanto à validade das procurações apresentadas pelos participantes daquelas duas assembleias.
IMBRÓGLIO JUDICIAL
Outro problema é a forma como foram calculados tais honorários. E, para entender isso, é preciso recordar a história da Vivenda. Ela foi criada em 1968, como associação civil, para facilitar a aquisição da casa própria pelos associados. Em 1985, devido a dificuldades financeiras, decidiu vender suas quotas ao Banco do Estado do Pará (Banpará) e entrou em liquidação. Mas, em 1994, o Banpará desistiu da transação. Com isso, o liquidante da Vivenda, que era funcionário do banco, acabou substituído, em dezembro de 1995, por Almir dos Santos Soares, então funcionário da Caixa Econômica Federal (CEF), a maior credora da instituição. Em 1998, o Governo do Estado acabou tendo de assumir as dívidas da Vivenda, então em R$ 200 milhões, para conseguir um empréstimo do Governo Federal e sanear o Banpará.
Almir continuou como liquidante da Vivenda até outubro de 2008, quando anunciou seu afastamento, já que o processo de liquidação estaria tecnicamente concluído. Quem assumiu o lugar dele foi o advogado Alberto de Lima Freitas. Mas os dois acabaram se desentendendo: Alberto acusou Almir de ter desviado R$ 14 milhões e de se apropriar de imóveis da Vivenda. Almir acabou voltando ao comando da instituição, por decisão da Justiça Estadual. Mas, em 2010, a Justiça Federal proibiu Almir e a Vivenda de venderem bens da instituição e de pagarem quaisquer credores, principalmente, Almir. Em 2012, nova decisão da JF determinou que o Banco Central decretasse a liquidação extrajudicial
da Vivenda e que Almir fosse afastado da função de liquidante.
DECISÃO
O juiz Jorge Ferraz de Oliveira Junior decidiu remeter o caso à Justiça Estadual depois de atender a um pedido do Banco Central (BC), que pediu a exclusão do processo. O MPF queria que o BC fosse obrigado a acompanhar a liquidação da Vivenda e que realizasse um novo relatório de fiscalização. Além disso, o magistrado entendeu que, mesmo o pedido do MPF contra o BC, não conseguiria deslocar a competência do caso
para a Justiça Federal.
Isso porque, a seu ver, a discussão não envolve interesses da União, mas dos associados da Vivenda. Nesse processo, em uma Ação Civil Pública, o MPF também pede que a Vivenda não pague mais quaisquer honorários de êxito e que o patrimônio líquido apurado ao final da liquidação seja distribuído entre os associados. Além disso, quer que Almir e os assistentes dele devolvam os honorários de êxito que receberam. (Foto: Cezar Magalhães)
O procurador da República Bruno Valente informou ao DIÁRIO que vai recorrer da decisão do juiz. Além dessa ACP, tramitam na Justiça Federal mais uma ACP e um processo criminal.
(Ana Célia Pinheiro / Diário do Pará)