Organização criminosa envolvia secretários municipais e empresários
A Justiça da Comarca de Marituba deflagrou a 2ª fase da operação Presépio, com a prisão preventiva de nove acusados, busca e apreensão, além do bloqueio de bens móveis e imóveis. Secretários municipais, empresários, servidores públicos integravam uma organização criminosa para fraudar o dinheiro público gerido pela Prefeitura de Marituba. As medidas foram decretadas pelo juiz Iran Sampaio, da Vara Criminal de Marituba, em 16 de julho deste ano. O processo tramitava em segredo de Justiça para não prejudicar o cumprimento das medidas judiciais.
De acordo com as investigações da Polícia Civil e a denúncia apresentada pelo Ministério Público do Pará, uma empresa foi contratada pela Prefeitura de Marituba para prestar serviços de manutenção e instalação de iluminação pública ao longo da rodovia BR-316, no trecho que corta o município contra o qual os possíveis crimes vinham sendo praticados.
O contrato firmado entre a Prefeitura de Marituba e a empresa I P NEVES E CIA LTDA-ME, de 27 de agosto de 2014, originado por meio da Tomada de Preços n.º 1/2014, tinha por objetivo o fornecimento de postes de concreto para iluminação pública (alta e baixa tensão), incluindo rede de distribuição, com altura de onze metros. Entretanto, as investigações revelaram que a organização criminosa instalou postes de apenas sete metros.
Com base no artigo nº. 218 da Resolução Normativa n.º 414, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o serviço deve ficar sob a responsabilidade da administração dos municípios e os postes deveriam conter onze metros de altura, “todavia, foram instalados de apenas sete metros, mesmo que o processo de licitação tivesse trazido, ainda que de forma obscura, a indicação de que os sustentáculos deveriam conter os famigerados onze metros”.
Apurou-se que a Tomada de Preços n.º 1/2014, que originou o contrato entre o município e a empresa estava com vícios e obscuridades, posto que sequer trazia explicitado a quantidade de postes que seriam fornecidos, mas apenas uma referência de que o possível contrato visava atender “as demandas” da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Sustentável do município.
Segundo a representação, compareceram ao certame nº1/2014 apenas duas empresas, a I P NEVES E CIA LTDA-ME e a PHASE-PROJETOS, SERVIÇOS DE ENGENHARIA E TELECOMUNICAÇÕES LTDA, esta última foi, logo no início do processo, desabilitada pela comissão de licitação do município em função da suposta falta de documentos, retornando à disputa após o saneamento dos problemas na via recursal, mas ao final não teve sequer sua proposta aberta, ainda que o certame visasse buscar o menor preço, apesar de que o edital não tivesse previsão de quantitativo de postes que seriam fornecidos.
No dia da abertura das propostas, a pregoeira Debora Raquel Fontel Reis impôs grande dificuldade para a participação da empresa PHASE-ENGENHARIA. Vencida a licitação, segundo a denúncia, pela empresa I P NEVES E CIA LTDA-ME, ocorreu a homologação do certame e adjudicação em favor da suposta vencedora, tendo o primeiro contrato recebido um valor global de R$ 458.927,19.
Os investigadores descobriram que a empresa vencedora tinha por proprietários os sócios e irmãos Ivo Neves e Ítalo Neves, no entanto, eles não foram responsáveis pela participação na licitação fraudulenta e não realizaram nenhum tipo de negociação ou prestação de efetivo serviço à Prefeitura de Marituba, mas cederam a empresa a um dos mentores da trama criminosa, José Laureano Lemos, padrinho dos irmãos.
A investigação indicou que José Laureano ofereceu a seus afilhados a “oportunidade” de prestar serviços à Marituba, pelo fato de conhecer o prefeito e ser pai biológico da Secretária de Finanças do Município, Laurieth Lemos e que, por conta disso, conseguiria contratos na construção civil e iluminação pública, mas que ele deveria figurar como gestor dos pactos, “representando a empresa pertencente aos irmãos gananciosos junto ao município. Posto que nenhum contrato poderia aparecer em seu próprio nome, aqueles seriam “laranjas” e este o “testa de ferro”. Os irmãos receberiam, a princípio, a quantia de aproximadamente dois mil reais por mês, sem nenhum esforço e sem desperdício de nenhuma gota de suor”, relata a decisão do juiz Iran Sampaio.
No decorrer da investigação, os irmãos Ivo e Ítalo, possivelmente ao perceberam o volume de dinheiro público que estava sendo drenado pelo esquema, pressionaram Laureano a repassar a quantia referente a cinco por cento do total do contrato, valores que atingiam a quantia de R$ 8 mil mensais para cada um e que o restante ficaria nas mãos do padrinho.
“Com Laurieth no comando da secretaria de Finanças desde maio de 2014, seu pai, Laureano, colocou em prática o esquema, posto que já tinha abduzido os sócios da empresa I P NEVES para comporem a estrutura criminosa. Salta aos olhos e convém neste ponto destacar que antes mesmo da composição desta estrutura do mal, Laureano, meses antes da realização da licitação viciada, recebeu valores da Prefeitura Municipal no montante de R$ 216.900,00, logo após sua filha Laurieth assumir a pasta que contém a chave do cofre público, sob o argumento de prestação de serviços de instalação e manutenção de iluminação pública, o que ocorreu nos meses de maio, junho e julho de 2014, destacando-se que o contrato oriundo da tomada de preços só foi assinado em agosto do mesmo ano”, afirma em decisão.
De acordo com a denúncia, Laureano estava no controle da empresa I P NEVES e instalou postes em desacordo com o disposto na tomada de preços, ou seja, postes de sete metros ao longo da BR-316. Laureano, com o apoio de sua filha Laurieth e do chefe geral do abastecimento de veículos da Prefeitura, Flávio José Borges, abasteciam os veículos particulares, supostamente usados para instalar postes, com o combustível público e ainda guardavam os caminhões na garagem do ente municipal.
No decorrer da investigação e da análise dos documentos apreendidos com ordem judicial, a polícia descobriu ainda que o contrato foi prorrogado por inúmeras vezes, por meio de termos aditivos. Na primeira prorrogação, o valor inicial de R$ 458.927,19 foi elevado para R$ 1.496.368,75 e estendido seu prazo de validade por mais cinco meses, “destacando-se que o acréscimo de 226,05% em relação ao valor inicial extrapola em muito o limite autorizado pela Lei 8.666 (Lei de Licitações), que é de 25% para obras e serviços, previsto no art. 65, § 1.º.”
Segundo a investigação, foram celebrados seis termos aditivos. Ao final do sexto termo aditivo, constatou-se que o contrato para manutenção de iluminação pública teve um valor final de R$ 9 milhões. Os aditivos receberam pareceres favoráveis da Controladoria do Município.
Na decisão, o juiz Iran Sampaio destacou que aditivos eram motivados por planilhas possivelmente feitas no âmbito da própria Prefeitura Municipal, uma vez que os investigadores encontraram em um computador existente na sala da chefa do setor de licitações, Ilmara Azevedo Campos, um documento em branco e editável com timbre da empresa I P NEVES, sendo ela a mesma pessoa que encaminhava planilhas fraudulentas para provocar os “repulsivos aditivos contratuais”.
Os investigadores descobriram que no endereço da empresa I P NEVES registrado na Junta Comercial do Estado funciona uma doceria de nome “Afoncia”, cuja sócia majoritária é a genitora dos sócios e irmãos Ivo e Ítalo Neves.
Em depoimento à autoridade policial, Itelmar Barroncas Gonzaga, ex-secretário de Desenvolvimento e Urbanismo, afirmou que de fato os postes colocados possuíam apenas sete metros, contrariando o previsto no contrato. Ele foi o responsável pela nomeação de Gilmar Assis de Lima como fiscal do contrato, mesmo sem seu consentimento e conhecimento, e ainda era o responsável em encaminhar processos para Gilmar assinar sem ter fiscalizado serviço algum.
“O entrosamento entre Itelmar e Gilmar, revelado no depoimento deste último, causou e viabilizou a perenidade da fralde por vários anos, posto que Gilmar assinava e atestava notas fiscais graciosas de prestação de serviços sem sequer ter ido ao local comprovar a realização dos mesmos, fatos que favoreceram a empresa comandada pelo pai da Secretária Municipal de Finanças e Administração a prosseguir na caminhada criminosa”, relatou o juiz Iran Sampaio
Por esses fatos, a autoridade policial e o Ministério Público encaminharam representação ao juízo da Vara Criminal de Marituba, que decretou a prisão preventiva dos nove acusados, busca e apreensão em endereços deles, bloqueio de contas bancárias, sequestro de bens imóveis e de participações societárias de empresas e o deferimento de medida cautelar de bloqueio com o lançamento do gravame em todos os veículos existentes.
Todas as medidas foram cumpridas após a decisão do juiz Iran Sampaio em 16 de julho deste ano.
Primeira Fase
A Polícia Civil deflagrou, em março, a primeira fase da operação Presépio para dar cumprimento a 42 mandados judiciais de busca e apreensão e de condução coercitiva. As investigações visam apurar desvios de recursos públicos e corrupção na Prefeitura de Marituba, município da região metropolitana de Belém. Foram cumpridos 22 mandados de busca e apreensão, em residências, empresas e órgãos públicos em Marituba, Belém, Ananindeua e Castanhal, além de 20 mandados de condução coercitiva em desfavor de servidores públicos e empresários.
As investigações foram iniciadas em 2017 para apurar fraudes em procedimentos licitatórios. Para deflagrar a operação, o delegado Carlos Vieira, titular da Delegacia de Repressão a Defraudações Públicas (DRDP), vinculada à DRCO (Divisão de Repressão ao Crime Organizado), solicitou medidas cautelares à Justiça para realizar busca e apreensão e condução coercitiva contra as pessoas envolvidas, direta e indiretamente, no esquema criminoso em apuração. À época, as medidas judiciais foram expedidas pela juíza da Vara Criminal de Marituba, Anúzia Dias da Costa.
Todas as pessoas conduzidas foram ouvidas no Instituto de Ensino de Segurança do Pará (Iesp) e depois liberadas. Os materiais apreendidos na operação também foram levados ao Iesp e ficaram apreendidos para passar por perícias necessárias à investigação.