Estudiosos falam sobre o assunto durante encontro da magistratura
Durante os seis encontros regionais do Poder Judiciário, realizados pelo TJPA nos últimos dois anos, coube à Escola Superior da Magistratura (ESM), organizar palestras com renomados estudiosos de questões jurídicas e administrativas. No VI Encontro, realizado em Marabá, os convidados da ESM foram o professor e juiz do Rio de Janeiro, Roberto da Silva Fragale Filho, e o professor mestre José Lucas Neto.
Fragale é doutor em Ciência Política pela Université de Montpellier. Atualmente é professor do programa de pós graduação em Sociologia e Direito, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e juiz do Trabalho titular da 1ª Vara do Trabalho de São João de Meriti (RJ). Foi professor visitante da University of Illinois at Urbana-Champaign e na Université Paul Valéry. No encontro de Marabá, ele falou sobre as mutações na magistratura e os desafios para a formação do magistrado. Fragale pontuou o processo de mudança na advocacia a partir dos avanços tecnológicos, que transformaram uma atividade liberal em atividade empresarial, com ofertas cada vez mais ostensivas na internet de serviços on line de acesso ao direito, sem o contato direto com o advogado.
José Lucas Neto, outro palestrante convidado pela ESM para o último encontro regional, tem graduação em administração de empresas pela Unama e pós-graduação em gestão empresarial. Também é pós-graduado em Gestão Financeira, Auditoria & Controladoria pela FGV/RJ e especialista em Family Bussines pelo Babson College (MA-USA) e em Macroeconomia pela Columbia University (NY-USA). Na condição de secretário de educação do município de Castanhal, ganhou prêmios na área da gestão conferidos pela Unicef.
Na entrevista abaixo, José Lucas fala sobre alguns assuntos de sua palestra durante o encontro.
A gestão no Judiciário difere de outro tipo de gestão?
Essa é uma grande polêmica no Brasil. Muita gente acha que gestão depende do negócio. Mas gestão é gestão. Existem problemas em qualquer um dos três poderes, mas eles recaem muito mais sobre o juiz, sobre o diretor de secretaria, sobre o atendente. A população espera muito mais, porque o Judiciário é alvo da esperança da população. Agora a gestão é a mesma, sem grandes diferenças.
O que o senhor recomendaria aos juízes e diretores de secretaria para melhorar a gestão nas comarcas?
Primeiro, a gente tem que entender a diferença entre o que é público e o que é governamental. Cada um de nós faz parte do que é público. Alguns dizem que, para fazer alguma coisa, tem que esperar o Tribunal, tem esperar Brasília, tem que esperar verba... Eu digo que 80% das técnicas de gestão são técnicas de cozinha de casa. Ou seja, primeiro é preciso arrumar a comarca; segundo, é ter uma boa arquivologia; terceiro é preciso melhorar o máximo possível a parte computacional. É preciso também investir em atendimento, e atendimento não é só técnica. É ser humano, é gostar de gente. Quem mexer com atendimento e não gostar de gente está no lugar errado.
E o que deve ser feito para melhorar o atendimento?
Primeiro é preciso ouvir as pessoas. Uma das recomendações que eu dou aos juízes – e é o que as grandes corporações do mundo fazem – é botar o juiz atendendo na secretaria. Ele deve tirar um dia no mês e ficar ali atendendo a manhã inteira, ouvindo reclamação do advogado, do público. Isso é normal. Em muitas empresas, o presidente vai disfarçado para ser o caixa, e assim ele consegue ouvir e melhorar. Esse é um ponto. O outro é ouvir os funcionários. Às vezes, a gente não ouve os funcionários da gente. E trocar ideias: você só vai se tornar melhor se entender quem já melhorou antes da gente. O mais barato não é aprender com o erro da gente é aprender com o erro dos outros.
Que habilidades se deve ter para o bom atendimento?
É importante gostar de gente, gostar do que se faz. É preciso entender a importância social disso. O processo não é apenas um número para o CNJ, é a mudança de uma vida. Na hora em que eu conseguir ter essa habilidade de me autogerenciar, eu avanço.
A sua experiência tem muita relação com a iniciativa privada. O senhor acha que essas técnicas e princípios também podem ser aplicados no âmbito do serviço público?
Quando me perguntavam isso antes, eu ficava sem saber responder. Depois que eu me tornei secretário de educação, o meu grande desafio era esse. Na esfera pública é mais difícil, por conta da legislação, por conta da bendita da estabilidade que é necessária por conta das intercorrências políticas. Mas dá para fazer. O segredo de tudo se chama boa vontade. É você querer fazer. Porque se, na primeira dificuldade, você não fizer, é a mesma coisa do cara que quer perder peso e bota a culpa na comida. A culpa não é da comida, é dele.
O que o senhor acha das dificuldades apontadas durante os encontros? São normais?
Sempre vai ter dificuldade. Se você for no encontro da Justiça sueca, vai encontrar dificuldades. Serão outras dificuldades, mas elas vão existir. Mas uma coisa bacana e positiva que eu vejo nesses encontros do Tribunal é a liberdade das pessoas falarem. Isso é excelente. Você vê que as pessoas apontam o erro, mas apontam a solução. Antigamente, você ia para um encontro desses e era aquela coisa de fundamentalista: só apontam o erro. Mas agora já se diz o que é o problema e o que pode ser feito. Daí até poder atender todas as demandas tem todo o arcabouço da questão de orçamento, planejamento... e isso é com a diretoria do Tribunal.